Corridas no Estrangeiro

Provas do Mundial e mesmo a Taça das Nações
eram no mínimo uma divertida aventura surrealista



Inscrição



Então como agora era sempre necessário convite da federação para nos podermos inscrever nas provas, estranhamente os pilotos privados americanos que nessa altura correram na Europa faziam a inscrição directamente.







As viagens

Os patrocionadores muito raramente nos apoiavam, todos os custos da viagem e suas consequências eram da nossa responsabilidade.

Houve uma fase em que o Vitor Calado - Presidente da Federação Portuguesa de Motociclismo nos dava um pequeno apoio que ao limite era o suficiente para pagar o gasóleo para conseguirmos chegar até à prova,

Vitor Calado - FPM - A Moto - 1983
nas primeiras vezes ainda lhe perguntei como iria voltar ;  resposta – classifica-te !!


1983 - Espanha - Mongay - Yamaha YZ K 125

A Mariana adorava a carrinha das corridas
Tudo tinha de ser muito bem planeado, alimentação e dormidas, que eram quase sempre dentro das carrinhas, acompanhadas pela moto, ferramentas, acessórios e pneus ( nenhuma era semi-caravana ).


Em 1983 fiz a primeira motorhome oficina existente em Portugal, a partir daí passei a ter um hotel de luxo.


Os assistentes eram no máximo 2 pois as carrinhas só tinham 3 lugares. No meu caso a vontade de correr lá fora era tanta que a inconsciência era total pois o meu acompanhante era a minha mulher que na altura nem carta tinha, se algo de grave me acontecesse…

e lá cruzámos toda a Europa, Bloco de leste incluído nesta situação.

1984 - Taça das Nações - Dalecin - Checoslovaquia

Os recintos

Chegados ao recinto o choque era brutal, desde a organização, a qualidade de vida nas boxes, chuveiros de água quente, coisa que só existia cá quando as provas organizadas pelos clubes de futebol nos melhores dias abriam os balneários.. em mais de 90% das provas nacionais  nem casas de banho existiam, as acompanhantes femininas sempre foram as mais sofredoras

As carrinhas das marcas de fábrica e dos melhores privados envergonhavam a melhor oficina existente em Portugal.

Os representantes dos pneus, peças e sobretudo os fabricantes das suspensões de competição White Power, agora politicamente correcto rebaptizada “WP”, ou da Ohlins tornavam-nos como crianças numa loja de brinquedos ( por vezes com manhas de Tugas ).

Conhecida a história de numa das provas do Mundial em Espanha um popular piloto português estar a tentar comprar na WP uma suspensão traseira e enquanto o técnico Holandês lhe pedia especificações o Tuga à boa tradição portuguesa discutia preços num Portinglês espanholado deixando o homem completamente desnorteado pois não percebia quanto pesava o piloto nem para que moto era enquanto o outro lhe falava de pesetas.. 
Representação Portuguesa em Espanha - Mongay 1982
Team Laranjina C e outras equipes
A linguagem

O Mundial tinha uma linguagem muito própria, focada sempre no tempo ganho por volta

Para aquela gente com budgets quase ilimitados a moeda de troca não era o custo das peças mas sim o tempo ganho por volta…

….quanto custam essas molas ou esses pneus ? …resposta : 3 a 5 segundos !!

A primeira vez que me responderam assim demorei um pouco a compreender ( era de outro planeta ), sobretudo para quem vinha do mundo das 50cc dos anos 70.. e estava habituado a contar os tostões todos..



As motos


O outro universo que eram as motos… os protótipos de fábrica com pesos bem abaixo do limite legal com peças em magnésio, tungsténio e outras ligas leves ( cheias de manigâncias para passar nas verificações técnicas ).

Gilera 125 Bi-Cilindrica,
F.I.M. proibiu motos bi-cilindricas de motocross em 1983
Gileras bi-cilindricas e até a diferença para os privados, quando em 1980 o Bernardo Ferrão esteve presente em Espanha a Suzuki dele era a única moto do parque refrigerada a ar…


As preparações dos privados

A partir de 1982 as melhores motos portuguesas começaram a ser preparadas pelos melhores preparadores europeus, tendo também as melhores peças e suspensões, algumas vindas mesmo dos Estados Unidos para o Team Goldoni.


A Casal representou desde os anos 70 diversos preparadores americanos, embora nunca os tenha comercializado nem utilizado nas suas próprias motos... mistério…

O meu preparador era o Harry Van Hout, bastante conhecido no mundial pelas suas transformações desde a época do projecto KVV.

Preparar a moto significava ficar a dormir em casa do Harry e assistir à maravilha da preparação com testes no dinamómetro e visita posterior à White Power onde eram fabricadas suspensões segundo as minhas informações e sugestões deles com testes finais em pista.
         
Eram também visita do Harry vários campeões do mundo e muitas refeições tivemos em conjunto com a mulher dele farta de tanta confusão. 

A partir daí sempre que íamos ao mundial a gente da WP oferecia-se para proteger a Marta de qualquer atrevimento alheio.

O Taciano Guimarães na altura jornalista do Jornal Motor chegou a fazer um teste comparativo entre uma moto standard e a minha. Ver teste comparativo aqui


Na Alemanha – pista de Laubus-Eschbach cheguei quatro dias antes e para grande surpresa já estava no parque a Yamaha de fábrica pilotada na altura pelo Marc Velkeneers, estacionámos ao lado e ficamos durante dois dias sozinhos com os engenheiros japoneses vendo a moto de fábrica por dentro e os diversos testes enquanto os japoneses nos iam dando algumas dicas importantes.

O Mundial era uma comunidade fechada mas muito amiga.




1982
Grande Prémio Alemanha 125cc
Laubus-Eschbach


As pistas



Eram de uma dureza e dimensão não comparáveis às Portuguesas, com os organizadores aproveitando ao máximo a naturalidade do terreno
e sem muitos saltos artificiais, Mongay – Espanha à parte…


Alguns circuitos só eram utilizados para o Mundial pois  estavam  dentro  de parques  naturais
ou  até militares.

 

Por vezes até para melhor optimizar os terrenos existentes faziam saltos sobre a estrada alcatroada que os cruzavam, caso de Dalecin – na antiga Checoslovaquia ( hoje republica Checa ) onde corri na Taça das Nações ou Namur na Bélgica.

Video GP Holanda 1983 aqui :  Best - 125cc


Os pilotos

Projecto KVV
Preparadores
André Gebben, Jan de Vries, Harry van Hout

Campeoes Mundo Holanda
- John Van Den Berk
 - David Strijbos        

Para alem dos super pilotos de fábrica e privados locais mais ou menos rápidos que nós, a maioria do parque era populado por pilotos de técnica excepcional, muitos já filhos de antigos campeões dos anos 60/70 ou até mesmo provenientes de incentivos nacionais para o desenvolvimento da modalidade.

Holanda com o projecto KVV que produziu vários campeões do mundo ou Belgica que tinha um subsidio estatal próprio para os pilotos do mundial, nessa época o motocross era o desporto nacional nº 1 na Belgica, com múltiplos campeões do mundo, ultrapassando mesmo o futebol.

Campeoes Mundo Belgica
- Joel Robert
- Roger DeCoster
- Gaston Rahier
- Andre Malherbe
- Georges Jobe
- Eric Geboers

Dada a muito próxima relação com os melhores fabricantes  de componentes todos tinham um elevado conhecimento técnico aliado a preparações físicas muito específicas e desenvolvidas por vezes por treinadores olímpicos de outras modalidades.

A estabilidade financeira era total com budgets quase ilimitados vindos dos melhores sponsors da Europa.

Toda aquela gente só respirava motocross !!

Por cá também tentávamos mas os ares eram outros…

Curiosamente Espanha com super pilotos como Fernando Muñoz, Toní Elias, Jordi Arcaróns entre outros, sofria de problemas semelhantes.

As fábricas atravessavam um período grave ( Derbi, Montesa, Bultaco ) próximo da falência, tal como nós os pilotos preferindo utilizar marcas japonesas, tinham de “importar” de Andorra/França e inscrevê-las com nomes diferentes não fosse a Guardia Civil aparecer...

Sentindo também estes, um grande choque em relação às pistas estrangeiras comparadas com as espanholas.



As Taças das Nações ( depois rebatizadas Troféu das Nações ) e hoje MXoN

1983 - Taça das Nações 125 - Roggenburg - Suiça
Da esquerda para direita
Jose Lagos ( FPM ), 37 Neves, 38 Kalssas, 39 Romao, 40  Carvalho, Taciano Guimaraes ( FPM )

Para representar Portugal o Calado tentou fazer um mix de pilotos rápidos com a futura geração. Ex: para a Suiça em 1983 ( Neves, Kalssas, Romão, Carvalho ) para a Checoslováquia em 1984 ( Jose Santos, Romão, Farrajota, Fragoso ), descambando a partir de 1985 para outras formas obtusas de selecção.. ( ver Federação ).

1983 - Taça das Nações 125 - Roggenburg - Suiça
da esquerda para direita
Miguel Romão ( 39 ), Mario Kalssas ( 38 ), Jose Lagos - Federação Portuguesa Motociclismo

E mesmo representando Portugal só tínhamos subsidio de combustível para a ida o resto que pagássemos nós e a F.I.M.

1983 Taça das Nações 125 - Suiça - Roggenburg
Luta com o Campeão Dinamarquês

Não se pode dizer que a federação não fosse poupada, pois em vez de irem de avião preferiam encher uma Ford Transit de 9 lugares e ir acampando pelo caminho.

A última Taça das Nações para a classe unica de 125cc foi disputada na Checoslovaquia em 1984, a partir daí passou a chamar-se Troféu das Nações com as 3 cilindradas ( 125 / 250 / 500 ) na mesma corrida.



Jantar de apresentação da 1ª prova do Mundial em Águeda 1984

Esquerda para direita
 
Jorge Morgado, Miguel Andre, Miguel Romão, Jorge Leite, Jorge Viegas




Quando finalmente tivemos uma prova do Mundial em Portugal, alguns já não tínham quaisquer ilusões…










Videos prova aqui :  Cobertura RTP

e aqui :  Pekka Vehkonen vs Dave Strijbos




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Os Super-Homens


Fernando Neves                                                                              Rodrigo Ribeiro
De dez em dez anos aparece habitualmente um piloto fora de série, quer internacionalmente quer nos diversos campeonatos nacionais. Naquela que é considerada a idade de ouro do motocross tivemos em Portugal uma rara concentração de muito bons pilotos, sendo dois deles, verdadeiros super-homens. 


1981 - Prova Internacional Agueda
Esquerda para direita
Bernard Pascual - Fernando Neves - Gaston Rahier




Estes super-homens para alem de aguentarem no mesmo dia seis ( 6 ) mangas de 45 minutos, treinos incluídos  em 3 classes diferentes, pela sua força bruta eram também capazes de ganhar corridas a alguns dos melhores pilotos mundiais.




Os “rapazes” chamavam-se Rodrigo Ribeiro e Fernando Neves, ambos possuidores de uma força e resistência inacreditável mas com diferentes aproximações ao motocross.

1981 - Prova Internacional Agueda

12 Fernando Neves, 1 Gaston Rahier

Curiosamente para estes homens que se iniciaram nos anos 70, o alvo foi o excelente piloto Manuel Massadas, tendo sido o Rodrigo o primeiro a batê-lo constantemente em corrida e mais tarde o Neves a ultrapassa-lo no record de títulos.

Manuel Massadas

1983 - Jornal Motocross


 
Para o Rodrigo Ribeiro a sua preparação assim como da moto eram quase secundárias, “...A minha preparação física é o meu trabalho, que é bastante duro, pois trabalho de manhã à noite , com máquinas de terraplanagem, penso que é suficiente… ( Ver Entrevistas ) de facto no seu auge chegava para bater pilotos nacionais e alguns campeões europeus que por cá correram.

Em competição tinha a atitude da primeira geração de pilotos do norte, com ele o “chega para lá á antiga” era brutal.

1983 - Simopre - Prova Internacional
Trofeu Silva Pinto

2 -  Rodrigo Ribeiro, 24 - Manfred Hatkinson

Para o Fernando Neves a preparação da moto era muito importante, ( Ver Entrevistas ) sempre soube afinar bem as motos e tinha um excelente mecânico ( Vieira ). Na fase em que já estava integrado no Team Goldoni e corria as tais seis mangas de 45 minutos no mesmo dia, a preparação física passou também a ser relevante, chegou a treinar com a equipe do futebol clube de Vendas Novas.
Team Goldoni 1981
Esquerda para direita
Fernando Neves, Quito da Silva, Jorge Leite

Ora força bruta, preparação física e uma das melhores motos do País tornava a missão de o bater quase impossível, tinha também um enorme “calo” de competição e uma excelente adaptação/improviso á degradação das pistas.

O Zé Carvalho que chegou a ser o mais rápido piloto Português em velocidade pura era levado constantemente à exaustão pelo Neves que preferia segui-lo, desgastá-lo e a uma ou duas voltas do fim ultrapassá-lo…

11 Zé Carvalho - Yamaha YZ 125, 1 Fernando Neves - Suzuki RM 125

Alguns pilotos esperaram pacientemente que ele abandonasse as classes em que corria ou deixasse de correr de vez para serem campeões.

Mario Kalssas                                                              Jorge Leite

Inicialmente sendo ambos um pouco parcos tecnicamente, era impressionante ver a forma como os dois pilotos recuperavam de situações impossíveis em saltos ou pistas mais técnicas.


Rodrigo Ribeiro


Fernando Neves

O Rodrigo era uma presença constante nas provas até 1983, a partir daí aparecia esporadicamente e a sua força bruta com andamento um pouco enferrujado em motos de origem nada podia contra as muito bem preparadas do pelotão da frente, encabeçadas pelo inacreditável Neves,


a pouco e pouco foi perdendo a motivação até que se mudou para o Autocross. Ainda hoje acredito que o Rodrigo numa excelente moto e alguns cursos de pilotagem teria resultado num Heikki Mikkola ou Hakan Carlqvist Português.

No estrangeiro, em pistas mais exigentes, com outros pilotos mais completos a diferença já não era tão notória. Ambos representaram Portugal na Taça e Trofeu das Nações.

‎1981
Taça das Nações - Italia
Coupe des Nations - 125cc - Casale Monferrato

29 - Fernando Neves
30 - José Coutinho
31 - Mario Kalssas
32 - Rodrigo Ribeiro

È também visível Victor Calado ( pai ) de pé dentro da box


32 Rodrigo Ribeiro, 30 José Coutinho

‎1981
Taça das Nações - Italia
Coupe des Nations - 125cc - Casale Monferrato



37 Fernando Neves, 39 Miguel Romão

1983
Taça das Nações Suiça
Coupe des Nations - Roggenburg

A titulo de curiosidade lembro-me de uma prova de extremo calor em Vagos o Jorge Leite e eu termos chegado ao fim no limite da exaustão, nem conseguíamos sair das motos ficando sentados nelas encostados ás carrinhas, o Rodrigo ao contrario chegou, saiu da moto ( maico 250 ), pegou nela e colocou-a sozinho em cima de um camião de caixa aberta… nem no Mundial vi tal força….       ( talvez o Gennady Moiseev, mas esse para além de correr era do exército russo ).


Rodrigo Ribeiro - Maico 250

 
O Rodrigo tinha na época a alcunha de “Arranca Pinheiros”, não sei se proveniente de um pequeno pinheiro que eu vi ficar em mau estado pelo braço oscilante e roda da mota ou da sua profissão de terraplanagem ou simplesmente por ser um “Homem forte” significado do dicionário...
 

Automundo 1981
Afonso Cerqueira
Sendo o Motocross uma modalidade muito exigente todos tínhamos algum cuidado com a alimentação, no meu caso chegava a perder 4 a 5kg por corrida/dia , assim que as barras e bebidas energéticas estiveram disponíveis em Portugal tornei-me um adepto. A aproximação dos “rapazes” era outra.. não raro gigantes almoços em que um sozinho pedia uma garrafa de tinto para experimentar, outra de branco e mais uma de tinto porque afinal o tinto era melhor..







1979 - Campeonato Nacional 50cc
1 Neves, 17 Miguel Romao
Em boa verdade 1979 foi o ultimo ano em que uma moto super bem preparada ainda fazia alguma diferença, depois até 1985 foi o reinado Neves.



O mais rápido a curvar

Jorge Leite
1983
Portimão
Trofeu Internacional Jornal Motocross - Silva Pinto
Team Goldoni
Yamaha YZ 125 K



Jorge Leite
1976
Pista da Barrosa - Algueirão
Casal 50
Desde os tempos da Quinta da Marinha - Cascais nas nossas  bicicletas  já então artilhadas ( sem travões ), até à passagem  pela casal que não travava nada,  ou ao máximo aproveitamento do motor preparado pelo Almerindo;

1979 - Campeonato Nacional
Team Goldoni

24 - Jorge Leite - ARC Sachs
B - Almerindo Ribeiro Cruz

17 - Miguel Romao - Puch
A - Salvador Vilar Gomes





















que o Jorge Leite sempre teve um dote inato para curvar a velocidades acima do habitual. ( era um dos seus pontos fortes )

Não é que existissem outros igualmente rápidos, mas muito irregulares e um pouco kamikaze…













1979 - ARC Sachs 50 - Team Goldoni


Naqueles tempos em que a maior parte das pistas eram virgens e quase mono-trajectória, existia um truque entre os primeiros, e era outro dos pontos fortes do Jorge

– improvisar trajectórias pelos sítios mais improváveis da pista e escondê-las até à corrida –

1983
Jorge Leite
Team Goldoni
Yamaha YZ 125 K

A alta velocidade em curva aliada a trajectória nova, nalgumas provas era demolidora !! ao fim de algumas voltas os outros já tinham aprendido, mas era tarde para copiar...

1984
S.Mamede Coronado
Extra-Campeonato
Team Goldoni
Yamaha YZ 125 L
Jornal Motocross


Era sem sombra de duvida o mais rápido a curvar naqueles tempos















1980 - Yamaha YZ 125 G









1982 - Yamaha YZ 125 J


O Jorge percebia ( percebe ) bastante de preparação de motos e estava sempre atento ao que o rodeava.

1979
Pista do Avenal
Team Goldoni


1983
Alto da Guerra - Setubal
9 - Jorge Leite – Team Goldoni - Yamaha YZ 125 K
17 - Miguel Romão – Team Laranjina C - Yamaha YZ 125 K


Sempre foi um grande amigo
1979 - Com as Goldoni Girls !!

Terminou a carreira da melhor maneira, sendo Campeão !!  Entrevista aqui




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